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A Escritura Pública na Compra de Lote Urbano: É Realmente Obrigatória? [Análise 2024]

A transmissão da propriedade imobiliária no ordenamento jurídico brasileiro possui contornos específicos que merecem análise detalhada, especialmente quando se trata da aquisição de unidades em loteamentos urbanos. O presente estudo visa examinar a questão da dispensabilidade da escritura pública nessas transações, tema que possui relevantes implicações práticas e teóricas no âmbito do direito imobiliário.

Da regra geral do Código Civil

O sistema jurídico brasileiro estabelece, como regra geral, a necessidade de escritura pública para a alienação de bens imóveis cujo valor supere trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país, conforme dispõe o artigo 108 do Código Civil. Esta exigência, fundamentada na segurança jurídica e na publicidade dos atos, encontra, todavia, exceção significativa no âmbito dos loteamentos urbanos.

Escritura Pública x Contrato Particular na Compra de Lotes

A Lei nº 6.766/1979, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, introduziu regramento específico para estas transações, estabelecendo um sistema bifásico de proteção aos adquirentes de lotes urbanos. Em seu artigo 26, caput, a lei confere aos contratantes a liberdade de escolha quanto à forma do instrumento, podendo optar tanto pela escritura pública quanto pelo instrumento particular para formalizar os compromissos de compra e venda, as cessões e as promessas de cessão de lotes.

Indo além dessa faculdade inicial, o § 6º do mesmo artigo 26 representa uma importante exceção à regra geral do art. 108 do Código Civil. Este dispositivo estabelece que o instrumento particular (compromisso de compra e venda), uma vez preenchidos determinados requisitos legais, possui força suficiente para acessar diretamente a propriedade imobiliária, dispensando a necessidade de posterior lavratura de escritura pública ou confecção de contrato definitivo. Esta previsão legal constitui uma expressiva evolução no sistema registral brasileiro, simplificando o procedimento de aquisição da propriedade e reduzindo custos, sem comprometer a segurança jurídica do negócio.

Dito de outra forma, nós temos o seguinte:

  1. A liberdade de escolha conferida pelo caput do art. 26
  2. A força registral do instrumento particular prevista no §6º

Da compatibilização entre normas distintas

A aparente antinomia entre o Código Civil e a Lei de Parcelamento do Solo Urbano resolve-se pela aplicação do princípio da especialidade, segundo o qual a norma especial prevalece sobre a geral. Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça vem de longa data reiteradamente reconhecendo a validade dos instrumentos particulares nas transações envolvendo lotes urbanos, como se observa no (AREsp: 184738 RN) e em diversos outros precedentes.

Esta orientação jurisprudencial podemos interpretar não apenas no princípio da especialidade, mas também na necessidade de conferir efetividade ao princípio constitucional da função social da propriedade e ao direito fundamental à moradia.

Requisitos de Validade e Eficácia

A dispensa da escritura pública não significa, contudo, ausência de formalidades. O instrumento particular de compromisso de compra e venda deve atender a requisitos específicos para sua validade, previstos no nos incisos do já citado art. 26 caput, da Lei 6.766/1979, incluindo:

  1. nome, registro civil, cadastro fiscal no Ministério da Fazenda, nacionalidade, estado civil e residência dos contratantes;
  2. denominação e situação do loteamento, número e data da inscrição;
  3. descrição do lote ou dos lotes que forem objeto de compromissos, confrontações, área e outras características;
  4. preço, prazo, forma e local de pagamento bem como a importância do sinal;
  5. taxa de juros incidentes sobre o débito em aberto e sobre as prestações vencidas e não pagas, bem como a cláusula penal, nunca excedente a 10% (dez por cento) do débito e só exigível nos casos de intervenção judicial ou de mora superior a 3 (três) meses;
  6. indicação sobre a quem incumbe o pagamento dos impostos e taxas incidentes sobre o lote compromissado;
  7. declaração das restrições urbanísticas convencionais do loteamento, supletivas da legislação pertinente.

Ademais, para a efetiva transmissão da propriedade, permanece indispensável o registro do título no Cartório de Registro de Imóveis, em observância ao princípio da continuidade registral e ao disposto no artigo 1.245 do Código Civil.

Dos loteamentos clandestinos

É fundamental ressaltar que a prerrogativa legal de utilização do instrumento particular, com força para registro imobiliário, aplica-se exclusivamente às transações envolvendo unidades imobiliárias oriundas de loteamentos urbanos devidamente regularizados e registrados.

A aquisição de lotes em parcelamentos clandestinos ou irregulares, independentemente da forma do instrumento utilizado, não assegura direitos reais ao adquirente, uma vez que tais empreendimentos violam as normas urbanísticas e registrais vigentes.

Mais grave ainda, a comercialização de lotes em loteamentos clandestinos pode caracterizar o crime de estelionato previsto no Código Penal, sujeitando o vendedor às sanções penais cabíveis, sem prejuízo da responsabilidade civil pelos danos causados ao comprador. Portanto, antes de qualquer negociação, é imprescindível a verificação da regularidade do loteamento junto aos órgãos competentes.

Da possível resistência dos oficiais registradores

Como nem tudo são flores, na prática forense, embora a utilização de instrumentos particulares para a comercialização de lotes urbanos, localizados em loteamentos regularizados encontre amparo legal e tenha se consolidado como procedimento corrente, é importante ressaltar que alguns oficiais de registro de imóveis, contrariando a legislação vigente e a jurisprudência dominante, ainda apresentam resistência injustificada à averbação destes documentos.

Diante de eventual negativa do registro imobiliário, recomenda-se a imediata consulta a um advogado especializado em direito imobiliário, que poderá adotar as medidas administrativas ou judiciais cabíveis para assegurar o direito do adquirente.

Esta prática, quando devidamente efetivada, tem contribuído significativamente para a dinamização do mercado imobiliário e para a redução dos custos transacionais, representando importante avanço na democratização do acesso à propriedade.

Dos financiamentos juntos a instituições financeiras que fazem parte do Sistema Financeiro de Habitação (SFH)

Algumas situações específicas podem suscitar questionamentos quanto à aplicabilidade da dispensa da escritura pública. Em casos de financiamento bancário, por exemplo, determinadas instituições financeiras podem exigir a lavratura de escritura pública como requisito para a concessão do crédito, não por imposição legal, mas por política institucional.

Igualmente, em hipóteses de incorporação imobiliária subsequente no lote adquirido, podem incidir regras adicionais previstas na Lei nº 4.591/1964, que demandarão análise específica quanto à forma do instrumento.

Como Registrar Lote Urbano Sem Escritura Pública

O registro do contrato particular no Cartório de Registro de Imóveis é fundamental e segue estas etapas:

  1. Apresentação do contrato original ao Cartório de Registro de Imóveis competente;
  2. Apresente os comprovantes idôneos de quitação integral da dívida;
  3. Recolhimento das taxas e impostos necessários;
  4. Aguarde análise da documentação pelo cartório;
  5. Registro na matrícula do imóvel;

Conclusão

A dispensa da escritura pública para a aquisição de unidades imobiliárias em loteamentos urbanos representa importante evolução no tratamento jurídico das transações imobiliárias. Esta flexibilização, respaldada pela legislação especial e pela jurisprudência consolidada, harmoniza-se com os princípios constitucionais da função social da propriedade e do direito à moradia, sem comprometer a segurança jurídica necessária a estas operações.

A utilização do instrumento particular, desde que observados os requisitos legais específicos e promovido o devido registro, garante aos adquirentes a mesma segurança jurídica proporcionada pela escritura pública, com a vantagem adicional da redução de custos e maior celeridade na formalização do negócio.

Esta interpretação, além de encontrar respaldo na legislação especial e na jurisprudência dos tribunais superiores, demonstra a capacidade do sistema jurídico de adaptar-se às necessidades sociais contemporâneas, promovendo o equilíbrio entre a segurança jurídica e a efetividade dos direitos fundamentais.

Perguntas Frequentes Sobre Compra de Lotes

1. O banco aceita financiar lote com contrato particular?

Sim, a maioria dos bancos aceita, desde que o contrato esteja devidamente registrado.

2. Qual a economia ao optar pelo contrato particular?

A economia pode chegar a 75% em comparação com os custos de uma escritura pública.

3. O contrato particular tem a mesma segurança da escritura?

Sim, desde que registrado no Cartório de Registro de Imóveis.

4. Quais são as consequências de adquirir um lote em loteamento irregular?

A aquisição de lote em loteamento irregular ou clandestino é extremamente arriscada. O comprador não conseguirá registrar sua propriedade, ficando impossibilitado de obter financiamento bancário ou alienar o imóvel futuramente. Além disso, poderá sofrer sanções administrativas e até mesmo ser obrigado a desocupar a área, caso esta seja objeto de regularização fundiária ou intervenção do poder público. O vendedor, por sua vez, pode responder criminalmente por estelionato.

5. Em caso de recusa do Cartório em registrar o contrato particular, quais medidas podem ser tomadas?

Havendo recusa do Oficial de Registro em proceder à averbação do instrumento particular, mesmo quando preenchidos todos os requisitos legais, o interessado pode apresentar requerimento de suscitação de dúvida, nos termos do artigo 198 da Lei 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos). Alternativamente, pode-se impetrar mandado de segurança ou ajuizar ação ordinária visando compelir o cartório a realizar o registro. Em qualquer caso, é fundamental a assistência de advogado especializado em direito imobiliário para adoção das medidas jurídicas mais adequadas ao caso concreto.

Este artigo é constantemente revisado para incluir as mais recentes alterações legislativas e jurisprudenciais sobre o tema.

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Tags: compra de lote, escritura pública, contrato particular, registro de imóveis, loteamento urbano, direito imobiliário

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